sábado, 27 de março de 2010

O Procultura na pele de quem produz cultura

Ronaldo Bianchi 23 março 2010

Este é o segundo artigo sobre o projeto de lei do governo federal para substituir a Lei Rouanet. No primeiro, apontei algumas dificuldades e virtudes. Agora, vou simular situações que os proponentes encontrarão se aprovado o PL. Tomarei como modelo, os estudos de caso quando era estudante de graduação da FGV/SP.
Meus professores enunciavam os casos com nomes fictícios para as empresas, geralmente, problemas ligados a custos, má gestão e oportunidades de mercado. Nesse sentido, para não haver melindre, também usarei nomes fantasia.

CASO 1

As Organizações Sociais do Estado de Emergência poderão angariar recursos federais por meio dessa nova lei?

a) As Organizações Sociais de todos os estados da federação podem, no limite e no conjunto, angariar 10% da renúncia fiscal vigente. Portanto, se a renúncia estiver estipulada em R$ 1 bilhão, a somatória das renúncias para organizações sociais no país não poderá exceder R$ 100 milhões.

b) Cada Organização Social poderá, no máximo, pleitear até 0,5 % da renúncia, ou seja, no exemplo apresentado, R$ 5 milhões.

c) Os seus patrocinadores poderão descontar entre 40 e 80% de sua contribuição, dependendo do que lhes for autorizado pelo Conselho de sua área de expansão.

Seguem alternativas possíveis decorrente desta situação:

a) A Organização Social ficar a zero.

b) Se conseguir autorização, será menor do que R$ 5 milhões.

c) Os patrocinadores poderão descontar entre R$ 2 e 4 milhões de sua contribuição.

CASO 2

O que a organização sem fins lucrativos que realiza a trienal na cidade de Passaperna poderá obter do novo mecenato?
A organização da trienal na cidade de Passaperna poderá pleitear no máximo R$ 5 milhões. Seus patrocinadores poderão abater, no máximo, de 40 a 80% desse valor, ou seja, R$ 2 a 4 milhões. Imagine a situação de certas Bienais.

CASO 3

O Museu do Solavanco poderá contar com a nova lei para seu Plano Anual?

Sim, o Plano Anual do Museu do Solavanco seguirá os mesmos padrões do caso anterior (os mesmos limites se aplicam).

CASO 4

A Organização Tabajara, formada por um conjunto de empresas com fins lucrativos, decidiu e há 10 anos implantou o Instituto Cultural Tabajara. A organização poderá descontar do IR, as contribuições que efetuou ao instituto que leva seu nome?

Sim, a Organização Tabajara poderá descontar, no máximo, 0,5% do total da remissão, se for R$ 1 bilhão, será R$ 5 milhões. Destas, 40% serão passíveis de desconto no IR, ou seja, R$ 2 milhões. Isto se aprovado sem ressalvas pelo Ministério.

Haveria mais dois casos a serem explorados: o pleiteante do Fundo Nacional de Cultura e a formação do Ficart. Este, passível de receber contribuição totalmente dedutível até 2014, quando as contribuições serão reduzidas a 75%.

Deixo de comentá-los por não estarem regulamentadas, seria fruto de imaginação.

Podemos concluir, apontando qual será o novo cenário a partir da aprovação integral desse PL.

A proposta cultural, se transportada a condição ecológica, metaforicamente sairíamos da Mata Atlântica direto para o deserto do Saara, sem passar pelo serrado e pela caatinga.

Quanto ao Ficart, como foi proposto sem qualquer controle do Estado (diferente do Funcine), deverá ser o caminho para a formação de cartéis culturais. Em outras palavras, bancos e financeiras recolherão recursos a custo zero, totalmente dedutíveis, por quatro anos, e aplicarão, a seu critério, em quem lhes interessar e pelo maior retorno.

Em relação ao Fundo Nacional de Cultura, realizará sua obrigação: equilibrar o desbalanceado e proteger o indefeso (coisa que já deveria fazer hoje e não faz).

Continuo acreditando na inteligência dos nossos parlamentares para examinar com cautela, o amanhã cultural. Para mim, se esse PL for aprovado, o cenário será de terra arrasada, onde reinarão:

1) O governo pelo FNC, e

2) Os grupos gestores do Ficart.

As importantes instituições culturais brasileiras, formadas por empresas e pela sociedade civil no bojo de um marco legal estável, serão desmontadas ou reduzidas a atuações pequenas e inexpressivas.

Os produtores pequenos e médios dependerão ainda mais das bancas de aprovação dos Fundos e dos futuros gestores do Ficart.

Triste e inaceitável.
. Sobre "Ronaldo Bianchi " http://www.ronaldobianchi.com

Administrador Público pela FGV, MBA pela FIA-USP e Mestrado pela PUC, atualmente é Secretário Adjunto do Estado da Cultura.

fonte: http://www.culturaemercado.com.br/ideias/o-procultura-na-pele-de-quem-produz-cultura/

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